29 de mar. de 2018

SOB O SOL





Os mesmos caminhos
Sem distâncias, com idades
Amenidades de um destino torto

Não sabe para onde vai
É como um cão abandonado
Que crê no mundo
Assim é o pensar triste
Onde a paz não existe

O tempo seria feliz
Sem a partida que erra
Usurpada pela torpe guerra

Sob o sol fincam-se cruzes
E as orações fogem das igrejas
Agora a fé é uma árvore sem frutos
Que ainda crê em flores...
E em todos os amores

Um dia a chuva cairá no deserto
A esperança chegará com a enchente
Acidente da felicidade!

Até os pássaros duvidam
Que do pó nasça fertilidade
É como se Deus só ali vivesse
Entre o céu e a areia
E toda vida uma sereia

É sob o sol que o homem viceja
E sobretudo é lenda
Emenda que remenda
Na mesma senda...


25 de jan. de 2017

VERBOS


Se um dia o verbo me fugir
E a alma me deixar para trás
Assim como fazem os vagões
Sob os trilhos de um trem
Sem pedir licença às distâncias
Ou pedir em demasia...
Quem sabe?
Serei somente eu?

Farei viagens tão longas e coloridas
Que jamais um livro poderia descrever
Perder, perder-se toda a esperança
Lançar-me-ei sobre a vida
Em total algaravia
Como águia desorientada...
Por que não?
Há algum teto no mundo?

Libações não serão somente para deuses
Há tantos oráculos nos meus dias
Quanto a gratidão de viver
Em tantos caminhos
Todos com bifurcações
Estradas de pedras...
Como existo?
Se ainda não voltei?

Perdi o rumo do silêncio das noites
Que demitem o sol sem ventar
Mas mantenho a luz
Que roubo dos olhos dos animais
Sem perder minha audácia
É minha esta divagação...
Deve ser assim?
Ou necessito de candeeiros?

Falo por versos porque são verbos
Arrogantes como a gramática
Uma empatia que vibra no coração
Em torno de meu pensar
Que não digo tudo e nem todo
Não penso que somente escrevo...
Serei testada?
Há outra maneira de falar?



13 de out. de 2016

VENTO


O vento, quando sopra me descabela
E quando ele não sopra
Parece que arranca o silêncio
Ou varre os tetos, as paisagens
E os amores
Estes sim, se diluem
Deixando pegadas de sopros duvidosos

Sou do vento que jorra do farol
E quando a maré vaza
Parece que a água floresce
Ou vira merengue, goma de mascar
E os portos
Estes sim, contam histórias
Deixando acossados todos os sonhos

Não sei quem é o dono do vento sisudo
E quando o frio chega
Parece uma mentira escaldante
Ou uma panqueca de neve, sorvete de nuvem
E os desabrigados
Estes sim, sabem orar
Deixando seus fardos sob os olhos da esperança

Sigo o vento que embala a paisagem
E quando as cores vão embora
Parece que o mundo emudece
Ou ele carrega o pintor e a tela, o pincel
E as divagações
Estas sim, desfalecem
Deixando um odor de tinta agreste

Vou-me embora com o vento que é doido
E quando o tempo vira uma memória
Parece uma porta enferrujada
Ou traz toda vida em gotinhas, um cálice de água
E as mãos
Estas sim, moldam
Deixando que tudo permaneça como está.


19 de ago. de 2016

SAUDADE É VIDA


É que de repente parece que nada mais importa
Quer seja com a alma
Quer seja com a raiva, o amor, a felicidade, a dor, a saudade, a ausência...
Nada conforta. E tudo é consciência.

Se a casa cair, não será tão catastrófico afinal
Pode ter havido um raio
E ali há de nascer uma árvore, uma pedra, uma ponte, um rio, uma miragem...
Nada é fatal. Então, nem a coragem

Quando o tempo fica para trás a medir espaço
Como se não houvesse ninguém
Para correr do destino, resignar-se à toa, perdoar às tontas, pedir uma graça...
Haverá colapso, se a ilusão usar mordaça

Conserva-se a tristeza para poder sorrir às ocultas
É pecar sem clemência
Quando da vida colhe-se orvalhos, flores, sementes, dias, noites, sinfonias...
Ideias insepultas, encharcadas de melodias.

Sonhar o que já foi perdido é secar uma lágrima com a saudade
Quer seja com derrotas
Quer seja com a vitória, a crença, a loucura, uma bravata, muita audácia...
Não existe a idade, só o viver com eficácia.





13 de ago. de 2016

SEM ASAS


Ah, se eu soubesse o que existe mais adiante...
Se eu soubesse que após o ‘adiante’ ainda se segue para frente!
Se eu soubesse que tanto futuro existe, é provável que eu andaria sem sonhar em voar.
Mas os dias me prometem asas, os meses adivinham estações, os anos meus cabelos brancos...
E eu sonhando em voar!
Se alguém me perguntasse: mas voar para onde? Ah, são tantas as terras, os portos, as estações…Aeroportos? Para quê, se estaria a voar?
Então há dilúvios nas nuvens... ou será verdade que cada uma contém história aconchegantes? Há pezinhos de anjos que as afofam, e poderiam conter também todas as mentiras... Sei lá. Meu voo é rasante. Vês, joaninha o quão eu te invejo? Não temas a mim.
Posso sim, colher a flor em que te aninhas, mas a flor eu domino, e não teu voo.
E cá estamos nós a burlar fantasias.
Se eu entendesse das ciladas do destino, iria residir com os pássaros, eles sabem fugir das tempestades, não entendem de ‘adiantes’.
É provável que eu não consiga me despedir sem soluçar. Como doem as partidas!
Como demoram a sarar as feridas!
E como ficam marcadas as cicatrizes!
Continuo na busca de um lugar onde as saudades murmuram realidades. Não perdoarei o oportunismo se acaso as encontrar...Meu Deus, só com asas chegarei lá!
Que verbo imaturo este que impulsiona tantos sonhos em versos que a vida escreve, bem sei, tudo está escrito na primeira estrofe, o final já está a voar...
Por que a vida é tão bela no final do dia, e tão duvidosa na madrugada?
Quem predisse que morrer é morte?
Não sou uma haste sem vida, tampouco uma flor, mas ainda uma borboleta poupando as asas. E o que me dizes joaninha, se isto fosse verdade? Ah, não irias gostar de ver minha metamorfose.
Isto aconteceu lá adiante, distante de onde ainda nada conheço.
Ainda hão de afugentar os medos de todos estes instantes inoportunos, que chegam desvairados escancarando as parcas portas de meu coração.
Na verdade, tento pensar...Não há solução.
Tantas eras…
Perdão. Não lembro aonde guardei minhas asas.



3 de abr. de 2016

CHEGADAS E PARTIDAS


Nada, nada é em vão, nem quem voa, voa ao rés do chão
Quando a chuva fica nua
E se joga nos braços da lama
É que fico a pensar
Se não é a água que faz a montanha
Ou as nuvens de roldão

Quem vai, vai com a corrente, quem fica, fica para ser evidente
Num pedaço de verso
Onde o coração bate mais forte
É que fico a pensar
Se o poeta não é como a fonte
Tão doce...  E vira uma enchente

Há tanto mistério nos vasos floridos que ornam o cemitério
Quando alguém ali deixa o pranto
Que as velas se dobram caladas
É que fico a pensar
Se o mundo não seria só um caso
Um planeta em adultério

Assim que a dor se despede parece que a vida tem cor
Um naco de tempo ferido
Deixando um abraço inseguro
É que fico a pensar
Nas chegadas e partidas da alma
Como se fosse um resto de amor

Existem felicidades tão felizes, e tantas alegrias sem caridades!
Ai, que cruel a omissão!
Que insana a miséria da fartura!
É que fico a pensar
Se o Criador não esqueceu
De nos sonhos colocar idades.


20 de jan. de 2016

MEU FUNERAL




Vejo que não é nada engraçado assistir a um funeral, mas é cômico ver quando pranteiam alguém que nem conhecem.
Aquele cheiro de velas já queimando os fundilhos dos castiçais dá uma imensa agonia, parece a mim que o Inferno de Dante é assim, velas queimando, pessoas que choram de verdade, as que choram por pensar na herança e as que choram por que não podem ver ninguém chorar.
Meu pai faleceu há alguns anos, tomei calmante porque sou chorona. Fiquei firme, até fiz graça, comi biscoito, tomei cafezinho. O padre começou a santifica-lo, aí fui para a saída e fiquei de papo para o ar. Acabada a cerimonia que santifica quem não se conhece...Então chega-se ao cemitério e lá está um quadrado aberto para enfiar uma caixa com uma pessoa morta.
Mas era meu pai.
Todas as pessoas se reuniram a volta da cova, uns curiosos (a maioria), o restante da família, que achava isto obrigação. Eu me distanciei, o mais que pude fui bater uma foto do ocaso, que ainda guardo com carinho do instante em que ele desceu à sepultura. Mas chorei, mesmo com calmante.
Ninguém precisava ver isto.
Não gosto de funerais, o bom é que não irei no meu.
É patético ficar a observar uma pessoa morta, ela não mais existe, e dizem ‘parece que está dormindo’.
E por que tem-se que dar um beijo no morto? Acaso algo vai expressar na carne de um defunto? Como é difícil entender a fatuidade da morte!
Tudo fica frio.
Foi-se, cerraram-se os olhos, e aqui, no pequeno instante vivido está tudo apagado.
Gostaria de sentir-me na morte. Crer-me gelada, velada, beijada, afagada, santificada... Depois abrir os olhos e dizer: ‘que nojo! Algo fede aqui, mas não sou eu’. Meu anjo da guarda, neste momento estaria comendo biscoitos, com certeza e dizendo: ‘dane-se, te aguente na vida e na morte'!
Enquanto pensava em mim, meu pai estava lá na horizontal, total. Ele com ele mesmo. Sei que não sentia frio, nem fome, nem sono, nem dores, nem tristezas. Nem haveria necessidade, todos a sua volta estavam plenos disto tudo.
Não queria que o calmante durasse tão pouco, estava bem. Entendia com lentidão que não o veria mais. Ali estava a prova, era defunto. Meu pranto estava seco como o azul do céu. Ele deveria estar rindo porque eu era a chorona e não chorava. Fiz o que pude para adiar o pranto, é tão mais verdadeiro na solidão. Mas quem vai entender isto? Insensível, devem ter pensado, que sou. Não chora. Mas o chorador é meu, o coração é meu, assim como o que sinto, ganho ou perco. Ninguém é mais alguém porque chora ou não chora.
Degustei meu funeral assim, vendo meu pai ali, com as mãos cruzadas sob um rosário. A carne rija a alma tão suave e maleável... Tudo ali. A primeira enterra-se, a segunda volta para casa.